Fisiopatologia Homeopática
1) Aspectos Constitucionais:
Segundo a médica homeopata Anna Kossak-Romanach (Homeopatia em 1000 Conceitos. São Paulo, Elcid, 1993) a constituição é uma resultante fenotípica do genótipo individual.
Ao estudo das constituições homeopáticas interessam os conceitos humorais de Hipócrates (em sangue, linfa, bile e atrabile) e as respectivas definições de Galeno para os temperamentos humanos (em sanguíneo ou sociável, fleumático ou sonhador, colérico ou idealista e melancólico ou nervoso) ademais das concepções morfofisiológicas de Eduard Von Grauvogl no século dezenove (em carbonitrogenoide associada à psora, hidrogenoide associada à sicose e oxigenoide associada ao luetismo, a qual posteriormente foi associada ao tuberculinismo).
De acordo com a médica psiquiatra Katia Mecler (Psicopatas do Cotidiano. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2015) a personalidade vem a ser a resultante da interação entre o temperamento herdado geneticamente e regulado biologicamente, com o caráter que se forma ao longo do desenvolvimento, quer dizer, a combinação de fatores constitucionais e ambientais.
Sobre o caráter, diz a referida autora psiquiatra:
“À luz da ciência moderna, a ideia de que cada um de nós nasce com uma índole, boa ou má, foi substituída pelo conceito de que temos livre-arbítrio para agir de acordo com nossos princípios, mas sem ignorar o fato de que somos parte integrante de um grupo social.”
“Portanto, por mais força que o componente biológico tenha na formação da personalidade, as experiências vividas e o aprendizado contribuem para a equação final, sempre dinâmica.”
Neste sentido, podemos verificar uma certa ligação entre a constituição e o temperamento, pela herança genética, mas ambos sendo apenas traços e não necessariamente expressões da personalidade. Em outras palavras, é relativa e complexa a correlação entre constituição e morfologia, bem como entre humor e temperamento.
1.1) Antoine Nebel (Suíça) e Léon Vannier (França): Constituições homeopáticas…
Estes dois homeopatas do século vinte estabeleceram correlações entre a constituição carbônica e a morfofisiologia hidrogenoide (e nitrogenoide) bem como entre a constituição fosfórica (ou fluórica) e a morfofisiologia oxigenoide.
1.2) Henri Bernard (França): Constituição sulfúrica…
Nos estudos de Bernard surge a constituição sulfúrica, que é associada à morfofisiologia carbonitrogenoide (ou simplesmente nitrogenoide, como denomino a típica constituição sulfúrica).
a) Constituição sulfúrica neutra: Biotipo normolíneo e atlético, em que a morfofisiologia é nitrogenoide propriamente dita.
b) Constituição sulfúrica gorda: Biotipologia normolínea de peso aumentado, em que a a morfofisiologia é carbonitrogenoide, ou seja, nitrogenoide com traços carbônicos.
c) Constituição sulfúrica magra: Tipologia normolínea de baixo peso, em que a morfofisiologia poderia ser chamada de fosfonitrogenoide ou oxinitrogenoide, pela natureza de tendência fosfórica. Ou seja, um aspecto mesclado entre a morfofisiologia oxigenoide e a nitrogenoide.
1.3) William Sheldon (USA): Embriologia somatotípica…
O norte-americano Sheldon utilizou critérios embriológicos na descrição ontogenética dos biotipos.
Esses estudos embriológicos foram adotados pela homeopatia na seguinte correlação…
a) Ectoderma ou Ectoblasto: Origem das estruturas e funções sulfúricas ou nitrogenoides. A biotipologia resultante, todavia, é mesomórfica.
b) Endoderma ou Endoblasto: Folheto que origina as estruturas e funções carbônicas ou hidrogenoides. A tipologia resultante é endomórfica.
c) Mesoderma ou Mesoblasto: Origem estrutural e funcional associada aos aspectos da constituição fosfórica ou oxigenoide. O biotipo resultante, entretanto, é ectomórfico.
1.4) Marcel Martiny (França): Cordoblasto…
Este homeopata fez a correlação entre o folheto embrionário que origina o sistema nervoso (o folheto cordoblástico) e a constituição fluórica de Nebel e Vannier, o que corresponde à morfofisiologia oxigenoide de Grauvogl e metaloide da hipótese de Venturelli.
2) Aspectos Miasmáticos:
Miasmas são diáteses crônicas, o que significa que sejam propensões patológicas, com tendência a serem permanentes, de aspecto mental ou orgânico. Quer dizer, miasmas são predisposições constitucionais ou temperamentais a determinadas doenças.
Os três miasmas fundamentais são o miasma “Psora” (que é a diátese disfuncional), o miasma “Sicose” (que é a diátese hipertrófica) e o miasma “Luetismo” (que é a diátese lesional ou necrótica).
Segundo Anna Kossak-Romanach, em seu livro clássico da homeopatia brasileira (Homeopatia em 1000 Conceitos) a constituição tem uma natureza estática e diz respeito ao que o indivíduo é, enquanto que o temperamento tem um caráter dinâmico e representa o que o indivíduo se torna por seu metabolismo (conceitos 318 e 319).
Pela hipótese de Venturelli, a constituição é o aspecto estrutural de um organismo enquanto que o temperamento é o aspecto funcional desse organismo, não importando a natureza física.
Por isso há uma certa relação entre os miasmas e as constituições e temperamentos.
Sejam, então, as interpretações de miasmas, pela referência de Anna Kossak-Romanach nos conceitos 327 e 328 do livro Homeopatia em 1000 Conceitos (São Paulo, Elcid, 1993)…
2.1) James Tyler Kent (séculos XIX e XX nos Estados Unidos da América, USA): Atribuiu às doenças crônicas ou miasmas, uma gênese relacionada às desordens hereditárias de origem moral.
2.2) Tomás Pablo Paschero (século XX na Argentina): Estabeleceu uma correlação entre a neurose de angústia e o miasma da Psora, destacando a participação do psiquismo nas diáteses.
2.3) Proceso Sánches Ortega (século XX no México): Correlacionou os miasmas aos distúrbios citológicos…
a) Defeito citológico funcional (distrofia celular): Psora.
b) Alterações citotróficas por excesso (hiperplasia celular): Sicose.
c) Perversões citológicas por necrose (morte celular): Luetismo.
2.4) José Laércio do Egito (século XX no Brasil): Organizou a interpretação fisiopatológica dos miasmas…
a) Psora: Eliminação de toxinas pelo mecanismo da “válvula de escape” dos emunctórios naturais, em fenômenos episódicos alternados.
b) Sicose: Bloqueio de toxinas por neoformações histopatológicas e excrescências verrucosas ou tumorais.
c) Luetismo: Eliminação de toxinas pelo sacrifício dos próprios tecidos.
3) Aspectos Fisiopatológicos das Constituições Homeopáticas:
Fisiopatologia é, de certo modo, o estudo das alterações e perturbações que impedem o bom funcionamento de um organismo, a fim de conhecer qual o mecanismo que torna uma parte específica da fisiologia desse mesmo organismo, em patologia.
A seguir é explanada uma série de considerações referentes à “hipótese de Venturelli” (vide em Mecanismo de Ação da Homeopatia).
3.1) Fisiopatologia da Constituição Sulfúrica (de morfologia nitrogenoide ou carbonitrogenoide): Sulphur, Nitri acidum ou Uranium nitricum…
Trata das afecções relacionadas à transcrição das moléculas de ácido ribonucleico (RNA) em DNA (ácido desoxirribonucleico) bem como da tradução destas em proteínas, as quais são compostos nitrogenados ligados, frequentemente, ao elemento químico enxofre.
O tratamento homeopático clássico é com Sulphur ou Nitri acidum, os quais apresentam o principal grau no repertório constitucional, o que não exclui outros fármacos, especialmente aqueles com radicais nitrogenados, como são os casos de Uranium nitricum e Argentum nitricum, dentre outros.
3.2) Fisiopatologia da Constituição Carbônica (de morfologia hidrogenoide): Calcarea carbonica, Graphites ou Carbo vegetabilis…
Alude às perturbações das transmutações nucleares e, portanto, ponderais, dos isótopos radioativos do elemento químico carbono, o radioisótopo C-14.
O tratamento homeopático tradicional é com Calcarea carbonica ou Graphites. Em substituição ao Carbo mineralis (que é o Graphites) podem estar indicados também o Carbo vegetabilis (e, por extensão, diversos remédios de origem vegetal, notadamente Capsicum e Phytolacca) além do Carbo animalis.
Os medicamentos nominados acima recebem grau primordial no repertório constitucional, mas os demais remédios não podem ser esquecidos, em especial, no caso dos fármacos de origem vegetal. Outra opção medicamentosa muito importante é o Cerium oxalicum…
a) Graphites: É o carbono ao tratamento psórico.
b) Carbo vegetabilis: É o carbono ao tratamento sicótico (definição extensiva aos remédios vegetais, como Capsicum e Phytolacca decandra).
c) Carbo animalis: É o carbono ao tratamento luético ou cancerínico.
d) Calcarea carbonica: É o carbononato de cálcio de origem biológica, útil ao tratamento do artritismo.
e) Cerium oxalicum: Medicamento alternativo da constituição carbônica.
3.3) Fisiopatologia da Constituição Fosfórica (de morfologia oxigenoide): Phosphorus, Natrum muriaticum ou Selenium…
Está relacionada às transferências de energia química através de radicais fosfato das moléculas de ATP (trifosfato de adenosina) e AMP cíclico (monofosfato cíclico de adenosina).
Classicamente o tratamento homeopático emprega Phosphorus ou Natrum muriaticum com graduação principal no repertório constitucional, sendo que secundariamente devem ser lembrados outros remédios, notadamente a Sepia officinalis e o Selenium. Outra alternativa farmacológica interessante é o Stannum iodatum.
Embora o petróleo seja uma mistura complexa de hidrocarbonetos e, portanto, com grande quantidade de carbono em sua composição, o medicamento Petroleum se adequa melhor à constituição fosfórica, e não à carbônica.
3.4) Fisiopatologia da Constituição Silicata (de morfologia metaloide): Metallum album, Antimonium crudum ou Silicea terra…
A constituição fluórica de Nebel e Vannier, associada à morfofisiologia oxigenoide de Grauvogl, é descrita na hipótese de Venturelli, como sendo a constituição silicata de morfofisiologia metaloide.
A fisiopatologia neste caso é muito complexa e se relaciona aos mecanismos das outras constituições, assim, por exemplo, o elemento químico arsênio compete com o fósforo nas vias bioenergéticas, conforme descrito por Lubert Stryer (Bioquímica. RJ, Guanabara Koogan, 1992) e outros bioquímicos, mas é muito importante em pequenas quantidades, ao bom funcionamento do organismo humano.
Os medicamentos de graduação precedente são descritos a seguir:
a) Constituição silicata de biotipo metaloide e nitrogenoide: Metallum album em grau primordial.
Em graduação secundária aparece o Tellurium metallicum.
b) Constituição silicata de biotipo metaloide e hidrogenoide: Antimonium crudum ou Antimonium tartaricum em graduação de primeira grandeza. O remédio de graduação seguinte é o Borax veneta.
c) Constituição silicata de biotipo metaloide e oxigenoide: Silicea terra em grau principal. E o mercúrio (Mercurius solubilis ou Mercurius vivus) muito embora não seja semimetal, e sim metal, pode ser incluído na morfofisiologia metaloide e oxigenoide, especialmente por ser um metal líquido, ademais de estar bem indicado em qualquer um dos demais biotipos, por ser um grande remédio homeopático.